11/19/2020

Não em nosso nome

Hoje teve mais um capítulo da novela Camboatá, tal como a NASCAR, estamos em um Extended Time, como se fosse possível alguém ainda achar possível arrancar um parecer favorável para a aberração de se construir uma pista de corrida em cima de uma floresta.

O placar foi de 10 a 3 pela procastinação, digo, pelo reenvio do processo à empresa do consórcio para que ela explique ou corrija os pontos que foram elencados pelo INEA no parecer, que foi amplamente favorável ao NÃO DEFERIMENTO do licenciamento ambiental.

Os três votos a favor pelo indeferimento foram de muito peso: UERJ, MP e CREA, os três foram unânimes em declarar impossível, diante do que foi colocado no relatório de mais de 190 páginas, a construção do autódromo sobre a floresta do Camboatá.

A verdade é que quatro conselheiros foram trocados para esta reunião, e o próprio presidente do INEA se declarou incompetente para julgar, já que estava no cargo há apenas um mês. Mas duvido que esse processo, já amplamente divulgado pela imprensa, não seja do conhecimento de quem está lá dentro, principalmente pelas implicações políticas.

Essa história se arrasta há dois anos, desde que o patrocinador da campanha eleitoral do atual prefeito levou o representante do consórcio a Brasília, com o aval da prefeitura para garimpar um eventual apoio à proposta que tinha sido varrida para debaixo do tapete depois dos Jogos Olímpicos pelo então prefeito Eduardo Paes.

De lá pra cá ela recebeu o apadrinhamento de várias pessoas, até mesmo do presidente da Liberty Media, mas desde que o calhamaço de páginas do parecer do INEA aterrissou na mesa do Ministério Público, ficou claro que a menos que se fizesse muita pressão política, o autódromo em Deodoro poderia ser considerado morto e enterrado.

O representante do consórcio conseguiu com seu "jus esperneandi" prorrogar por mais algum tempo a esperança de destruir a floresta, mas a votação dos conselheiros condicionou o reenvio dos documentos ao consórcio à apresentação e avaliação de outras áreas. Nenhum deles desconsiderou o parecer e todos concordaram com o INEA que a construção do autódromo no Camboatá seria um crime ambiental. Logo, a vitória do consórcio foi uma vitória de Pirro, pois além de gastar mais dinheiro em um contra-parecer inútil, terá que levar seu circo para outro local, fora da floresta.

Já do ponto de vista do interesse comercial e do esporte, o autódromo de Deodoro  tornou-se inviável, visto que a empresa do consórcio, além de falhar em deter os direitos de transmissão da F1 por não apresentar garantias financeiras, ainda conseguiu perder a MotoGP, ou seja, lá fora ninguém vai querer fazer negócios com essa pessoas ou prepostos dele,

O que resta? Oferecer o autódromo para eventos nacionais? Pode ser, mas quem vai pagar para usar uma estrutura megalômana projetada para públicos enormes de eventos internacionais?

O eixo Rio-MG possui hoje três autódromos, na época da demolição de Jacarepaguá só tínhamos Interlagos (em SP) como opção, hoje temos Curvelo e Potenza (Juiz de Fora), além de uma pista particular em Campos dos Goitacazes que é alugada para Track Days. Temos o VeloCittà em Mogi Guaçu, este de propriedade da Mitsubishi Motors do Brasil, mas que também recebe eventos particulares, o de Piracicaba, que recebe eventos regionais, e a Fazenda Capuava, particular, mas que abriga eventos de track day regularmente. Ou seja, estamos bem atendidos de pistas para todos os gostos e gastos, sendo que o diferencial do Rio seria pela sua atratividade turística, que convenhamos, Deodoro não possui nenhuma.

O país possui alguns autódromos abandonados, como Brasília, que passa pelo mesmo processo de sucateamento que Jacarepaguá sofreu antes de ser demolido, com o agravante que não existe motivo para tal, já que sequer existe demanda imobiliária sobre ele, porque não se pode mudar o projeto urbanístico do Plano Piloto. Temos Curitiba, que está numa lenga-lenga de ser ou não destruído para, também, fins imobiliários. Pelo tempo e esforço despendidos pelo consórcio, e pelo seu apelo de deixar um "legado", poderiam ter recebido alguma atenção já que são duas pistas com homologação internacional para grandes eventos. Já que o objetivo é o esporte a motor e não especulação imobiliária, creio.

Oras, se a demanda de praças para o esporte a motor é tão pequena que "sobram" pistas abandonadas pelo país, por que se construir mais uma, ainda mais em nome de eventos que não virão mais, por quê? 

Não em nome do esporte a motor, não carregaremos esse fardo de sermos responsáveis pela destruição de uma floresta, está na hora de os pilotos brasileiros se posicionarem claramente a respeito disso. Se antes tinham receio de contrariar fortes apelos econômicos devido ao medo do país não receber mais a F1, isso acabou, a Liberty assinou com SP mais cinco anos de contrato para realizar a corrida, a Fox/Disney assinou por mais seis anos de transmissão da MotoGP para o Brasil, se temiam perder espaço no cenário internacional ele acabou, o que restou agora é barrar essa obra insana de construir um autódromo sobre a floresta do Camboatá em nome de algo que não nos representa.

Não existe legado olímpico, ele é hoje apenas um monte de estruturas enferrujadas à beira de uma lagoa, esperando a demolição definitiva para dar lugar a um pardieiro de paliteiros caros, e o autódromo, uma vez demolido, dificilmente voltará para onde era.

A menos que, daqui a dez dias, o novo prefeito seja o algoz de Jacarepaguá. Ele já se declarou contra o autódromo em Deodoro, que cumpra sua promessa, ele tem em seu staff uma pessoa com quem eu dialoguei várias vezes sobre uma alternativa para a construção de uma nova pista, se eles tiverem um mínimo de bom senso podem retomar essa ideia, já que é a construção de um autódromo dentro da cidade do Rio de Janeiro, basta querer, se quiserem estarei disposto a  ajudar, como já fiz antes, mas sem colocar em risco a pouca diversidade ambiental que resta na nossa cidade.

Autódromo no Rio sim, em Deodoro NÃO!


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