8/05/2020

Camboatá resiste

Mais uma vez torno a postar, por conta dos últimos acontecimentos. No final do dia 03 de agosto de 2020, a Juíza Roseli Nalin, titular da 15ª Vara de Fazenda Pública do RJ suspendeu a audiência pública virtual convocada pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente porque, pasmem, o conselho foi criado de forma irregular.

Para entender melhor essa história vamos dissecar passo a passo: primeiro o EIA RIMA estava cheio de erros e foi feito pela própria empresa que postula a construção do autódromo. Essa empresa, além de ser a única postulante e ganhadora do processo de licitação(?), não possui capital para garantir a obra nem conhecimento prévio na construção e gestão desse tipo de equipamento, depois disso ainda temos a questão que dentro do projeto está prevista a construção de empreendimentos imobiliários, derrubando a floresta que está em cima de um terreno minado e que pertence a União - nunca foi dito ou prometido que o terreno seria dado para o empreendimento, mas sim ser cedido para a construção da pista, se há aí uma má interpretação de texto, seja ela intencional ou não, tem que ser explicada - e pra completar esse conselho, criado especificamente para ratificar essa história toda.

Outra coisa, a prefeitura trata como irrelevante uma floresta que existe naquele local antes do paiol do EB ser construído. Camboatá se refere a uma antiga fazenda que existia na região e que foi encampada pela União, seja a título de pagamento de dívida ou simples arresto para a formação do complexo que se tornaria a região quando da criação da Vila Militar no início do Século XX, e que fará (aí é a parte da piada sem graça dessa história), compensação da retirada das árvores para a construção do empreendimento.

A prefeitura, aliás, as três esferas de governo, não estão nem aí para nenhum tipo de mitigação ou compensação de espécie nenhuma de lugar nenhum em tempo nenhum, um governo que patrocina no espaço de um ano um dos maiores desmatamentos da floresta amazônica, libera toda a sorte de agrotóxicos possíveis para o agronegócio, não está minimamente preocupado com 200 hectares de mata atlântica dentro de uma cidade de milhões de habitantes, para eles é apenas mais um espaço para especulação imobiliária selvagem e ilegal que vem sendo praticada desde que se abriu o túnel do Joá descortinando as vargens de Jacarepaguá à sanha dos especuladores no início dos anos 70.

Aliás, temos que considerar também a questão do dinheiro público, no início prometeram tudo, além do terreno tinha também os propalados 350 milhões destinados para o autódromo que viraram fumaça junto com o próprio Ministério dos Esportes. Depois foi prometido que não haveria participação do governo na empreitada, já começa errado o governo dando terreno pra construção da pista, se é um particular que quer construir o autódromo, que compre o terreno e construa, não fique mamando na teta do governo esperando de boca aberta aquilo que não lhe é de direito.

Conheço muita gente, mas muita gente mesmo, que comprou essa ideia, seja pelos mais variados motivos, que colocou todas as suas fichas nisso, que quer essa pista pra livrar a cara por ter patrocinado a destruição de Jacarepaguá, aquele tipo de gente que quer no final de tudo estar certo em vez de ter razão.

Para esses só lamento, mesmo que esse autódromo, patrocinado pelo governo mas escamoteado por uma iniciativa privada de fachada, superfaturado, imoral (economicamente falando, diante da situação que não só o Brasil, mas o mundo passa hoje) e, principalmente, insustentável, seja construído, sua história suja estará a vista de todos, e mesmo que a história oficial apague os rastros, sempre restará alguém pra gritar que o rei está nu.

Esse é apenas mais um capítulo dessa história caótica, que mais parece alguém tentando roubar a prataria da cozinha do Titanic enquanto o navio afunda, contando que vai encontrar um bote disponível ou sobreviver à agua gelada com vinte quilos de talhares nos bolsos.

Ao movimento SOS Floresta do Camboatá só posso dar meus parabéns por estar conseguindo resistir a esse massacre que vem sendo feito desde 2010, quando anunciaram que iriam construir o autódromo ali, eu sempre fui contra, sempre coloquei a perspectiva que se deveria procurar outro lugar, eu mesmo cheguei a ir a vários lugares dentro do município para estudar espaços onde poderia se construir uma nova pista, mas a teimosia obstinada (ou seria ganância desenfreada?) de algumas pessoas persiste nessa ideia fixa.

A prefeitura alega que tem grandes planos, que vai fazer grandes projetos de recuperação, conversa, não consegue nem tapar buraco de rua, não vai fazer, sabem por quê? Não tem gente competente lá dentro pra isso, se quisessem em 2015 teríamos um novo autódromo, fora do Camboatá, no Gericinó, tem espaço lá pra isso, não é cláusula pétrea construir dentro do Camboatá, é apenas "um terreno" e não "o terreno", é uma questão de boa vontade, mas no momento o que vemos é má fé e interesses ocultos nessa história.

Quanto ao futuro do esporte a motor no Rio ninguém sabe, a Globo, através do programa Bom Dia RJ do dia 04 de agosto foi contundente, na voz do seu apresentador, Flávio Fachel, em apresentar a opção de se fazer uma corrida na enseada de Botafogo, assunto que já foi tratado aqui no blog, e que tem ferrenha oposição dos moradores do bairro, além do veto do IPHAN sobre a obra da arquiteta Lotta Soares e do paisagismo de Burle Marx, qualquer evento que se faça ali pode alterar as características arquitetônicas e paisagísticas do local, o maior parque urbano do mundo, do qual sinto saudades de caminhar nas tardes de sol nesses tempos de quarentena pandêmica.

Sempre há a opção de voltar à casa, o parque Olímpico, abandonado a própria sorte, refém de um grupo de empreiteiras denominado Rio Mais, cujo plano é transformar a restinga de Itapeba num paliteiro de prédios, inviável porque no rastro dos grandes eventos houve uma explosão de empreendimentos imobiliários impulsionados pelo crédito fácil dado pelo governo federal até 2016, de lá pra cá com  a crise financeira, o mercado imobiliário empacou, não se tem ao certo o número de imóveis vazios na cidade, mas basta dar uma volta para ver dezenas de placas de "vendo" e "alugo"  para perceber que oferta há, e muita, o que descartaria qualquer demanda para esses novos prédios num médio (eu diria até longo) prazo.

Não seria difícil construir um traçado nem que fosse para a F-E, dentro do Parque Olímpico, já temos precedentes como a pista do Canadá, construída dentro do complexo olímpico de Montreal, um parque que várias vezes por ano se transforma num autódromo, seja para eventos nacionais ou internacionais, ou mesmo o complexo de Sochi, na Rússia, para usar um exemplo mais recente. Como está hoje, o Parque Olímpico é apenas um monumento ao maior esporte nacional: o desperdício de dinheiro público.

Se houvesse interesse genuíno era só entrar em contato com as construtoras para retornar o autódromo para o Parque Olimpico, só que ele não existe. Aliás é estranho pedir que cedessem os direitos de uso do terreno, por algo que nem eles têm já que não cumpriram sua parte no contrato, ou seja, não usam e não abrem mão do direto de não usar, ficam sentados em cima, esperando dias melhores no horizonte, ou que simplesmente esqueçam o que aconteceu ali.

O cenário nacional do automobilismo está se virando como pode, tivemos uma bela prova de Endurance em Interlagos, e uma prova de Stock-Car (com novos carros, algo sempre bom) em Goiânia, mas ninguém sabe por quanto tempo poderá se manter esse estado de coisas, o automobilismo nacional sempre careceu de gente nos autódromos, a menos que se fizesse maciça divulgação e distribuição de brindes, os eventos regionais então, sempre foram quase que eventos secretos, perguntem pros paulistas a tristeza de ver as arquibancadas vazias em finais de semana com vários eventos acontecendo. Se nada for feito, daqui a pouco a Stock só vai passar no Youtube, como já acontece com a Endurance e o Brasileiro de Marcas, pelo menos populariza, mas é muito menos que um canhão que é uma TV aberta, ainda mais considerando nossa crônica falta de infraestrutura, em que fora dos grandes centros não se consegue uma internet decente nem pra assistir um streaming a 480p.

No cenário mundial a coisa piora mais ainda, Interlagos este ano não recebe a F1, a menos que haja uma reviravolta muito grande, mas pelo que parece está saindo para não voltar, além de sermos o segundo país no mundo em número de mortes pela Covid-19 ainda por cima a Liberty Media vinha discutindo a questão dos valores a serem pagos para a realização do GP, do qual não abria mão das taxas que ela cobra dos outros países, que por conta do um acordo que remonta aos tempos de Bernie Ecclestone, não eram pagos, tudo isso concorre para tirar o país do calendário da categoria.

Se serve de consolo, EUA, México e Canadá também tiveram seus eventos cancelados, a F1 se torna cada vez mais europeia, também com o cancelamentos dos eventos na Ásia, isso pode ser bom, porque trará novas pistas para o calendário, como a de Portimão que me parece muito promissora, além de Nurburgring (circuito curto, claro), Imola e Mugello, pode até ser que Zandvoort reapareça no final do ano, vai depender de como as coisas vão andar até lá.

Mas, voltando ao tema deste post, esse foi mais um capítulo da saga do novo autódromo fantasma, que parece cada dia mais longe e incerto, nesses oito anos desde a demolição da pista já surgiram as pistas de Campos, Juiz de Fora e Curvelo, todas privadas e acessíveis tanto para quem mora na capital (do Rio, claro), como no interior, se houvesse um pouco de boa vontade dos órgãos competentes já era hora de voltar com o Torneio Rio-Minas ou com uma Copa Sudeste e tirar a poeira dos carros e dos macacões de corrida.

Não podemos viver de passado, tenho imensas saudades do antigo autódromo, mas as forças que o criaram não mais se repetirão, os grandes eventos esperados para essa futura praça esportiva também não vão mais acontecer, pelo menos num médio prazo, o que resta é encarar a realidade antes que nem essa seja possível, precisamos pensar com modéstia e pé no chão, o tempo dos grandes arroubos acabou, o Brasil hoje é um pária internacional, ninguém vai querer fazer negócios aqui ou trazer eventos enquanto esse governo estiver no poder, e essa confluência de forças para a construção do novo autódromo vem direto dessa gente, e o que menos eles estão interessados é no esporte, pra eles é apenas fachada para interesses escusos, basta ver os esforços de tentar dar um verniz de legalidade nessa operação disfarçada de empreendimento privado.

É isso meus amigos, espero não ter que voltar a falar nesse assunto de novo, que a próxima postagem seja pelo sepultamento definitivo desse projeto ou então pela construção da nova pista fora da floresta, no Gericinó ou em outro local onde não se tenha um risco de um desastre ecológico como o que pode se consumar com a derrubada da floresta, sem falar do risco de tudo ir pelos ares. Caso as pessoas não saibam o que é uma explosão em área urbana, basta ver o que aconteceu ontem em Beirute pra ter uma ideía do que pode acontecer quando um bate-estaca se encontrar com uma bomba de 200 quilos enterrada no solo.




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