5/09/2019

De novo a farsa de Deodoro.

É, volta e meia a história retorna, então como fiquei oito anos com esse blog no ar defendendo um autódromo que só existe hoje nos sonhos e nos simuladores de corrida, sou obrigado, de novo, a fazer um resumão do que aconteceu, para entendermos em que estamos metidos hoje

O autódromo original (Jacarepaguá) foi construído no antigo terreno da FAB, tanto é que do lado dele até hoje existe o hotel de trânsito de oficiais, na época o terreno era usado para guarda de máquinas de terraplanagem da uma empresa que estava fazendo a urbanização do bairro do Camorim e imediações (ali nunca foi Barra da Tijuca, só nos panfletos das construtoras).
Nos anos 50 as corridas no Rio eram realizadas num arremedo de circuito na Barra junto ao canal, até hoje dá pra passar na curva inclinada que existe no contorno da Praça do Ó.
Em 1965, quando foi realizada a prova comemorativa do quarto centenário da cidade, uma série de acidentes mais ou menos graves acenderam a ideia de se construir uma pista fechada para realizar as corridas.
A Caledonia Empreendimentos estava de posse do terreno que tinha sido desmembrado da antiga fazenda de suprimentos da FAB, lá eles construiram uma pista e propuseram um projeto megalomaníaco de transformar tudo num clube que englobaria a pista, uma marina e um local para evento.
Claro que nunca saiu do papel, apesar de centenas de pessoas terem comprado títulos do empreendimento, o automobilismo era febre da classe média/alta da época.
No final dos anos 60, percebendo que a coisa não iria adiante, eles decidiram que iam demolir a pista (que já estava começando a ceder em alguns trechos) para construir um condomínio de casas.
Os pilotos fizeram um protesto pelas ruas da cidade, foram a programas de TV e o então governador Carlos Lacerda, prefeito do DF (ainda era naquela época), sensibilizado,  desapropriou o terreno.
A pista original funciona mais ou menos até o ano de 72, também graças a Interlagos que ficou dois anos em reforma e fez que vários eventos nacionais e até uma prova internacional de F-Ford viessem para o Rio, essa foi considerada a "época de ouro" do autódromo.
No início dos anos 70, com dois títulos do Emerson Fittipaldi na F1, o governo militar resolveu pegar o então autódromo e reformá-lo para um padrão internacional, aproveitando a onda ufanista do milagre econômico e do "país que vai pra frente".
Aí é que começam as coisas nebulosas, até aquela época o processo de desapropriação corria lentamente, o antigo DF tinha se transformado em Guanabara, a Caledonia tinha falido e se transformado em Territorial Agrícola. Antes do autódromo novo ser inaugurado em 77 ainda tivemos outra mudança em que a Guanabara foi extinta e transformada em município, perdendo assim seu status de cidade-estado, passando a ser um simples município.
Isso tudo criou uma confusão fundiária absurda, porque o ente autor da primeira ação não mais existia, e nem o antigo proprietário, e o governo militar já tinha enfiado muito dinheiro na obra, inclusive um monumental aterro hidráulico que retirou milhões de metros cúbicos de areia do fundo da lagoa para aumentar a restinga de Itapeba (nome original do lugar) em mais do dobro do tamanho.
Então, quando o autódromo foi inaugurado, ele não tinha dono nem escritura, era um direito de uso de uma massa falida cujo ressarcimento vinha sendo calculado a mais de uma década.
O imbróglio só foi resolvido nos anos 80 quando o governo do estado, detentor do processo original que herdou do estado da Guanabara, conseguiu chegar a um acordo com os advogados da massa falida, pagando o terreno com os recursos da caixa de previdência da PM e alocando o terreno no ativo do Rio Previdência como garantia e lastro financeiro.
Isso resolvia a questão fundiária mas não resolvia a questão de uso.
A cidade do Rio de Janeiro, através do seu órgão de turismo, a Riotur, entrou em guerra contra sua congênere estadual,a Turisrio, pela posse e uso do autódromo.
Foi feito um acordo no qual a Riotur, leia-se a prefeitura, garantia a permanência da F1 no Rio e em troca ela poderia gerir o autódromo.
Isso funcionou até os anos 90 quando num malfadado jantar pós corrida, o então prefeito Marcello Alencar veio pedir mais dinheiro pra realizar o evento no Rio
Naquela época, Bernie mandava muito na F1, a ponto de dizer quem podia ou não sediar uma corrida, tudo passava por ele, inclusive as taxas, e o Rio era uma das poucas cidades que não pagava valores exorbitantes, mas em contrapartida arcava com as despesas de preparar o evento conforme era solicitado pelos promotores
Bernie saiu do evento avisando que a corrida no Brasil seria a última devido a desacordo comercial, a CBA apavorada correu até São Paulo e procurou a então prefeita Luiza Erundina, na época eles tinham a pista de Interlagos original, imensa, com oito quilômetros de extensão, já bastante castigada pelo uso, já que desde de 1990 ela não recebia mais a F1, e consequentemente, reformas.
Em seis meses eles arrumaram a pista, encurtaram o traçado e conseguiram homologar junto a FIA, Bernie deu uma banana para o Rio e se mudou de mala e cuia para SP.
Com isso, sem sediar a F1, o acordo entre a prefeitura e o estado morria, a menos que se conseguisse alguma coisa, a Riotur iria perder o direito de usar o autódromo.
Aí entra a figura do Cesar Maia, sabedor do acordo costurado entre os governos, ele partiu para uma empreitada assim que assumiu a prefeitura, naquela época o estado ainda não tinha se interessado em pegar a pista de volta, mas a qualquer momento isso poderia mudar.
Ele criou um oval de milha e meia retificando algumas curvas do circuito, matando o kartódromo que existia atrás da curva Sul, fazendo uma pista para receber a F-Indy em 1994, evento que ficou quatro anos recebendo provas aqui no Rio, e por causa de uma desavença entre o prefeito e a empresa que ficou responsável por gerir o autódromo, a PPE (Paulo Júdice, Nelson Piquet, e Emerson Fittipaldi) a coisa desandou e o evento saiu do país.
O pivô da história foi que a F-Indy guardava seus carros de resgate em um dos boxes do autódromo e "pagava" um aluguel à PPE e um sujeito dentro da prefeitura quis participar do butim e foi barrado, daí saiu a fofoca.
Enfim, perdemos a F-Indy e de novo a quebra do acordo voltava a berlinda
Então o filhote do prefeito mais uns empresários espanhóis (DORNA, empresa que promovia o mundial de motovelocidade) trouxeram a categoria para o país, antes ela tinha corrido em Goiânia, cuja pista foi construída especialmente para a categoria e lembra muito Jacarepaguá em seu traçado.
A prova ficou aqui até 2003, quando houve outro desacordo comercial e a categoria foi embora, dessa vez a coisa foi desastrosa, pois barraram o inspetor de segurança da FIM (Federação Mundial de Motociclismo), o Sr. Charles Whitting (sim, aquele que morreu recentemente) que era a autoridade máxima da FIA para homologação de autódromos.
Claro que isso colocou uma mancha negra em cima da cidade, essa palhaçada era motivada principalmente pela briga entre o então prefeito Cesar Maia e o governador Antony Matheus, até porque havia mais um projeto megalomaníaco na mesa do prefeito: Os Jogos Olimpícos, mas para isso ele teria que pagar um pedágio fazendo um evento menor, no caso os Jogos Panamericanos.
Para isso ele queria o terreno do autódromo, um projeto parecido com o que foi feito para os Jogos Olímpicos, mas que ainda preservava a pista, mas incluía um estádio de futebol lá dentro.
Para evitar um desastre maior, o estado ofereceu em holocausto o terreno da Central do Brasil no Engenho de Dentro, onde eram as oficinas, só que o estado era fiel depositário, não dono, inclusive porque milhares de toneladas de material ferroviário e equipamentos pesados estavam guardados ali como lastro financeiro para pagamento de indenizações trabalhistas para os funcionários da RFFSA.
O terreno da rede ferroviária foi esbulhado para construir o estádio de futebol e os equipamentos ferroviários sumiram, por pouco a Baronesa e o acervo do museu não foram junto, mas a sanha assassina do prefeito destruiu o traçado norte do autódromo junto com o oval, restando apenas o circuito club, com pouco mais de três quilômetros.
Após o Pan, o autódromo retomou suas atividades, já com um planejamento futuro em reintegrar o oval e refazer o traçado norte, mas veio outra traulitada com o anúncio dos jogos olímpicos, aí a proposta era botar tudo abaixo e construir a pista em outro lugar.
Nós resistimos, a ideia era pelo menos termos "chave por chave" , mas em 2012 o Dudu meteu a retroescavadeira na reta principal e em menos de um mês nada mais restava do autódromo.
Aí que uma mente abençoada lembrou dos terrenos do EB em Deodoro, e aí a coisa fica mais sinistra, quem é do Rio deve lembrar que no Campinho existia o 1ºRecMec, batalhão de infantaria mecanizada, um dos mais antigos do Rio, anterior inclusive à criação da Vila Militar?
Pois é, o terreno foi vendido irregularmente pelo comandante da divisão de assuntos fundiários do EB para a região sudeste, fato que lhe rendeu a prisão e depois expulsão dos quadros da força,
mas o estrago estava feito, além de destruir uma unidade centenária, levou milhares de incautos a pagar por imóveis que nunca seriam construidos (ali não foi o único lugar vendido irregularmente).
Nesse rastro veio a ideia de "doar" o terreno do Camboatá, uma antiga unidade de que foi pelos ares em 1958, no que foi conhecido como um dos maiores desastres em unidades militares da história.
O lugar abrigava o maior paiol de munições da América Latina, com milhares de toneladas de explosivos, de bombas de 500kg a munição de revólver.
Isso tudo foi pelos ares, provocando pânico, mortes de destruição, tanto que passado o pior momento, o exército tratou de cobrir o que restou dos paióis com toneladas de terra e colocou um embargo de uso do terreno por 30 anos, o suficiente para que esquecessem o que tinha havido ali.
De fato esqueceram, tanto é que com milhares de hectares devolutos pertencentes ao EB, resolveram dar para construir a nova pista a única área que era terminantemente proibida de se construir algo em cima.
Assim, passadas três décadas, uma floresta cresceu sobre os paióis enterrados, graças aos fosfato dos explosivos, árvores enormes subiram, carregando em seus troncos balas de canhão e de revólver entranhadas em suas raízes.
Um lugar tão perigoso que só era liberada a entrada para oficiais em treinamento avançado, e havia a proibição de se fazer fogueiras no terreno.
Há cerca de cinco anos, quando começaram a falar sobre o destino do terreno uma tropa de jovens oficias estava fazendo um treinamento de sobrevivência no local e um aluno teve a brilhante ideia de fazer uma fogueira, claro que eles foram fazer um cima de uma granada enterrada que explodiu matando um soldado e ferindo vários outros.
O EB abafou o caso e disse que iria fazer uma varredura para tirar os explosivos, o que fizeram na verdade foi abrir o mapa da antiga instalação militar e retirar o que estava ainda do que restou dos paióis, o que estava espalhado no mato só foi retirado da superfície, a cerca de meio metro de profundidade.
Para se ter certeza de que não haveria mais nada ali, era pra terem retirado um camada de pelo menos cinco metros de terreno e todas as arvores, o que não foi feito, é claro, tanto pela falta de tempo, quanto pelo absurdo de caro e o perigo envolvido.
E temos o agravante, ceder o terreno é uma coisa, mas quem vai pagar a obra? Até 2014 havia uma promessa de 350 milhões de reais rubricados em nome do ministério do esporte para a construção da nova pista, esse dinheiro não só desapareceu, como também o ministério deixou de existir, o valor projetado é de quase um bilhão, sem falar que o prazo é irrealizável, ainda mais nas condições em que o país se encontra, prometeram que não haverá dinheiro público, claro que não, porque ele não existe, visto que os cortes chegaram até os militares, cuja perda será de 43%, nem preciso falar da educação e demais setores, e a plena recessão que estamos vivendo, para perceber o quanto isso é loucura da cabeça de quem só pensa em jogar pra torcida sem se preocupar com o mundo real.
A Liberty Media (dona da F1 e com participação da MotoGP) não vai botar um cent de dolar aqui, ela quer ganhar e não gastar.
Nem preciso dizer que o malfadado Parque Olímpico, hoje em ruínas, que recebe o Rock in Rio, é terra de ninguém, pois as construtoras que fizeram as obras não receberam o que foi combinado e não terminaram as obras pós-evento (que incluiam o desmonte de algumas estruturas), o velódromo foi incendiado, o Maria Lenk tem problemas estruturais sérios ( aquilo é um aterro, lembrando), os outros equipamentos não passam de galpões estilosos.
Eu venho defendendo há muito tempo que o autódromo retorne para lá, mas tem um grupo de obstinados teimosos que vêm carregando a bandeira de construir a pista em Deodoro sem se ater a realidade dos fatos de que é uma obra cara, cujos problemas infraestruturais serão gravíssimos (há nascentes lá dentro), problemas de segurança, (ali perto assassinaram um pai de família com 80 tiros, confundido com um assaltante).
A questão é que quem primeiro levantou a lebre foi o bispo prefeito, ele como aliado de primeira hora da famiglia miliciana devem estar de olho na grilagem das terras do entorno do Camboatá para promover a mesma razia que fizeram na zona oeste.
Não é de hoje  que o bispo prefeito vem tentando trazer eventos ligados ao automobilismo para a cidade e com isso ter a desculpa pra gastar dinheiro a rodo a fundo perdido e trazer junto uma falsa valorização de regiões da cidade, a exemplo com o que aconteceu com os grandes eventos, o que supervalorizou o subúrbio em torno do Engenhão e do Parque Olímpico e onde hoje há milhares de imóveis encalhados.
Essa história é apenas mais um capítulo num enredo que mistura, especulação imobiliária, peculato, esbulho, prevaricação, tudo patrocinado pelo seu, meu, nosso dinheiro, leia-se impostos.
Vamos ver o que eles vão inventar amanhã.
Nos vemos na pista.


Para maiores informações:
https://www.grandepremio.com.br/f1/noticias/presidente-assina-termo-de-compromisso-ignora-acordo-atual-de-sao-paulo-e-diz-que-f1-volta-ao-rio-em-2020

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