5/21/2024

PLC 162/2024, um novo começo?

 


Hoje, 21 de maio de 2024, foi dado o pontapé inicial para o resgate de uma das maiores injustiças que essa cidade já viveu, que foi a destruição do autódromo de Jacarepaguá.

Este blog, no ar de 2004, foi até 2012 uma das principais vozes, e, talvez, a última a defender o autódromo, sendo que estive lá até seu último dia de operação, em novembro de 2012.

Quem esteve ao longo dos anos no olho do furacão, brigando pela manutenção do autódromo, vendo as idas e vindas jurídicas, sabe que a luta foi difícil, mas não jogamos a toalha enquanto tínhamos esperança de reverter ou diminuir o estrago que estava sendo feito.

Não se tratava apenas de interromper as atividades do autódromo, mas o precedente que isso daria para que outras praças esportivas tivessem o mesmo destino, tanto é que perdemos o autódromo de Curitiba.

Mas lá, ao contrário do autódromo carioca, esse era da iniciativa privada, e foi do interesse deles que o equipamento desse lugar a um projeto imobiliário, escolhas são escolhas, uma vez tomada não se volta atrás, mas com certeza deu a eles ânimo a levarem adiante a desativação da pista quando viram o autódromo carioca ser demolido mesmo diante do clamor da comunidade automobilística.

Mas o caso de Jacarepaguá era diferente, fruto de investimento que envolveu as três esferas de governo, o estadual (da Guanabara) que desapropriou o terreno da construtora Caledônia nos anos 60, do governo federal, que no início dos anos 70 construiu o novo autódromo seguindo os ditames mais avançados de construção de pistas de corrida, utilizando o conceito de áreas de escape criado pelo engenheiro paranaense Arthur Cornelsen (autor do projeto da primeira pista em 1966), e que foi comparado ao autódromo mais avançado da época, Paul Ricard, na França. E da prefeitura, que a partir de 78, quando tivemos a primeira prova de F1 no Rio de Janeiro, em que a equipe Fittipaldi/Copersucar teve um dos seus mais emblemáticos pódiuns, passou a gerir o autódromo através da Riotur.

No início, revezando com Interlagos e depois, por uma década, recebendo a F1, a cidade incorporou o autódromo ao seu leque de atrações e eventos, sediando provas nacionais relevantes, como a primeira corrida feita por carros movidos unicamente a álcool, saída para a crise energética que ameaça paralisar as competições automobilísticas no país.

Outras categorias tiveram seu brilho aqui, Stock-Car (ainda com os Opalas, depois Ômegas e até chegarem nos Vectras tubulares), Copa Fiat, Grupo N, F-Vê, Super Vê, Brasileiro de Marcas e Pilotos (Copa Shell), F-3 Brasil, Copa Marserati, Endurance, F-Truck, trazendo público e dinheiro para a cidade.

A partir de 1990, com a ida da F1 em definitivo para São Paulo, o autódromo se reinventou, sendo remodelado para receber primeiro a MotoGP e depois F-Indy, atual Indycar, que teve como vencedor de sua primeira corrida o piloto André Ribeiro (in memorian).

Era o único autódromo do país, e um dos poucos do mundo, a receber chancela de três categorias únicas do esporte a motor: F1, MotoGP e F-Indy. Poucos autódromos do mundo, hoje em dia, têm essa qualificação de altíssimo nível. 

Então, foi com horror e estupefação que vimos a demolição do autódromo ao longo dos anos, manietado, tendo seu traçado reduzido, sendo vandalizado, tudo para inviabilizar o seu uso e justificar seu esbulho por parte daqueles que deveriam zelar pela sua manutenção como equipamento esportivo e motor econômico do turismo e do lazer da cidade e do estado.

A partir de 2012, a cidade ficou órfã do autódromo, mas não importava, porque era em nome de algo "maior", e os grandes eventos aconteceram, os Jogos Olímpicos, a Copa do Mundo, principalmente o primeiro, não sem que a sociedade protestasse contra, afinal estávamos sendo transformados em cidadãos subalternos à chamada "família olímpica", em que se estava concentrando recursos monumentais para um evento de duas semanas que não se repetirá em pelo menos uma década ou mais.

Passados 12 anos da demolição do autódromo, 10 da Copa e 8 dos Jogos, qual foi o legado da cidade?

Ganhamos uma nova cara urbana com a repaginação do Centro da cidade, com o Porto Maravilha, um novo modal de transporte, o VLT, uma nova via expressa, a Trans Olímpica, mas perdemos um equipamento esportivo que faz muita falta até hoje.

A renda do carnaval carioca, somada com a do Revéillon, são os dois principais trunfos do turismo carioca, recentemente o show da cantora Madonna deu uma injeção significativa de dinheiro nos cofres públicos, mas não dá pra cidade ficar se apoiando nessas situações pontuais, é necessário investir em outras formas entretenimento.

Depois da pandemia de 20/22, assistimos a um gradativo aumento da popularidade de eventos ao ar livre, e as corridas têm sido um excelente exemplo disso, nem precisa falar dos eventos internacionais, como a MotoGP, Endurance ou F1, nesse último final de semana, assistindo à Stock Car em Cascavel, havia público significativo nas arquibancadas, mesmo sob um frio de 13 graus, mesmo com toda aquela situação da enchente, apesar da região próxima não ter sido gravemente atingida, pode até ser um exemplo isolado, mas as pessoas estão mais dispostas a sair do mundo virtual e vir para eventos onde elas possam ter experiências sensoriais que nenhuma TV de 50 polegadas pode proporcionar.

Todo esse introito até aqui foi para localizar para quem não está afeito, ou já esqueceu, da história que está por trás de tudo, e como sempre digo, é importante sabermos o passado para entender onde estamos e saber para onde estamos indo.

O projeto está bem adiantado na parte que diz respeito às compensações imobiliárias, trata-se de uma ação de largo espectro da prefeitura em aproveitar áreas urbanas infraestruturadas que foram abandonadas ou subutilizadas ao longo dos anos, e que hoje possuem baixa densidade populacional ou um significativo poder de retorno financeiro, considerando que estamos falando de áreas urbanas consolidadas e não terrenos de proteção ambiental.

Já o terreno do autódromo, é uma área conhecida, que já deu muita dor de cabeça pra prefeitura, o antigo Campus Fidei, área criada para receber uma missa campal quando da visita do Papa, que foi arrasada pela chuva e o evento acabou sendo transferido às pressas pra praia de Copacabana.


 

Em algum momento, não me lembro e não vou apelar pra procurar nas postagens anteriores, eu me referi a esse terreno como elegível para a construção de uma nova pista, por possuir igual tamanho (é até maior, inclusive), estar numa área pouco povoada, para evitar a especulação imobiliária, e, de preferência, ter algum projeto de proteção ambiental em seu bojo, já que o lugar, pra quem lembra, era um aterro feito às pressas, sem nenhuma condição de se construir edificações.

Isso foi lá em 2010, 2011, lembro de ter estado em reunião com o Vereador Carlo Caiado, onde ele me mostrou a proposta de um outro terreno, bem menor, e ter até defendido essa proposta numa reunião realizada no Clube de Engenharia, onde quase apanhei, mas a ideia, se na época não era viável, hoje se torna mais palatável.

Hoje, 2024, diante do que aconteceu no Sul do Brasil, ninguém vai ser louco de propor alguma coisa sem contrapartida ambiental, a região é frágil do ponto de vista do solo, uma região alagadiça, com manguezais, e com uma ocupação desordenada e predatória, então a proposta é de um autódromo com um parque em volta, para proteger não só o solo circundante como também toda a região, ordenando o uso do solo e limitando sua ocupação, protegendo assim as próprias pessoas que moram nesses lugares.

Outra coisa é que terão que ser feitas grandes obras de macrodrenagem, afinal são mais de 1.700.000m3, quase o dobro do terreno original do autódromo, e no seu entorno, para viabilizar vias de acesso, e quem sabe no futuro, até mesmo as equipes montem suas operações vizinhas ao novo autódromo, além disso existem previsões de investimento de um futuro VLT substituindo a atual rede de BRTs e expansão das estações e até mesmo operações especiais em caso de eventos importantes.

No vídeo da Audiência Pública temos um importante depoimento do biólogo Mauro Moscatelli, que defende a implantação do autódromo como forma de frear a ocupação desordenada do solo, como já está acontecendo na região, melhor uma pista de corrida com amplas áreas livres em volta e uma vegetação ciliar preservando o solo do que um amontoado de casas, num lugar sem saneamento básico, se tornando assim um risco para quem mora ali.

O investimento é alto, 600 milhões de reais, o dobro do que foi proposto a uma década atrás no malfadado projeto de Deodoro, que aí sim seria um crime ambiental sem precedentes, porque iria se derrubar um remanescente de mata atlântica em nome de um projeto multo mal explicado, que contrariava vária diretivas técnicas e que foi barrado várias vezes pelos órgãos ambientais.

A exemplo do autódromo original de Jacarepaguá, construído sobre a restinga de Itapeba que depois foi acrescentado um grande aterro com material retirado da lagoa adjacente, dando a ele o formato triangular que temos hoje, o impacto ambiental não será tão relevante do que se estivesse sendo implantado em uma área preservada, hoje se trata de recuperar essa área para que ela sirva para a sociedade como algo útil e não como problema a ser resolvido.

Para quem pergunta onde me encaixo nisso, eu apenas respondo que sou uma espécie de observador, vendo hoje sendo levadas adiante as bandeiras que levantamos há mais de uma década, enfim, nada como o tempo para desmentir ou dar razão às nossas convicções, e vendo hoje os mesmos personagens que no passado estiveram dentro dessa luta, em alguns momentos equivocados defendendo propostas inviáveis, mas que souberam dar a direção certa a um pleito mais do que justo.

Aos que protestarão em nome da moralidade do gasto público, no que concordo, quero acreditar que dessa vez a coisa será feita de forma transparente, com uma concessão de trinta anos à iniciativa privada, que arcará com várias responsabilidades e terá de construir o autódromo primeiro para depois poder exercer o direito sobre as contrapartidas imobiliárias concedidas no contrato.

Dessa vez o projeto do novo autódromo vem dentro de um projeto de âmbito maior, para corrigir anomalias e buscar soluções de problemas que foram surgindo ao longo dos anos, não é uma iniciativa individual com um plano de negócios desconectado do plano diretor da cidade, até porque algo desse porte afeta significativamente todo o seu entorno, e como dizem no vídeo da audiência, a cidade é uma coisa dinâmica, viva, que está sempre mudando, mesmo contra a vontade de seus governantes.

No atual momento as coisas estão a sair do plano das ideias para o, literalmente, concreto, ou seja o planejamento agora se dará na adequação do projeto ao solo, o projeto executivo, projeção de gastos de materiais e tempo de execução da obra, um longo caminho pela frente mas o pontapé inicial está dado, e havendo vontade política em se fazer, acredito que acontecerá.

Ainda acontecerão outras audiências, mas essa de hoje foi a culminância de várias reuniões realizadas desde 2019, e agora parecem bem mais fundamentadas do que a proposta anterior de Deodoro.

Aqui embaixo está o vídeo na íntegra da audiência pública, começa no 2:22 :



E quanto ao blog, continuará ativo quando tiver novidades, mas o mérito todo é do movimento Pró-Autódromo, que pegou o bastão quando decidi parar por exaustão do assunto, e que, apesar de tudo, conseguiu levar adiante uma proposta que parece ser sólida e tem bastante chance de dar certo, e também do Vereador Carlo Caiado, que nunca desistiu da ideia de termos de volta um autódromo digno desse nome em nossa cidade.

Estamos voltando.

 


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